segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ayres Britto






POSIÇÃO DE LÓTUS



Ayres Britto medita ao lado de seu prédio, em Brasília. Durante 30


minutos diários, o ministro fica em estado de "não-mente".


Recentemente, Ayres Britto votou pelo fim do nepotismo, a praga de


empregar parentes em cargos públicos de confiança, e pela proibição da


candidatura de políticos com ficha suja. "Ele se revelou uma pessoa


sintonizada com os anseios da sociedade. Nas questões recentes, ele


tem estado no centro dos debates, sem decepcionar", diz o jurista


Barroso. "É uma pessoa com uma visão progressista do mundo, com


compromissos democráticos e à esquerda do espectro político, sem se


deixar mover por clichês ou palavras de ordem". Em outra questão


difícil, a demarcação das terras indígenas na reserva Raposa-Serra do


Sol, em Roraima, Ayres Britto surpreendeu. Como relator do caso, ele


fez segredo sobre seu voto até a leitura na sessão. Votou de maneira


contundente pela demarcação das terras de forma contínua. "Não


acredito que o índio atrapalhe o desenvolvimento", afirma. "Os índios


são co-autores da ideologia nacional". Em um futuro próximo, o


ministro terá pela frente outro processo controverso: uma ação que


defende a aplicação dos benefícios das uniões estáveis para os casais


homossexuais.


O trabalho no STF e no TSE é árduo. São processos volumosos, sobre


assuntos variados e carregam a pressão da sociedade por soluções que


vão além dos limites da jurisprudência. Ayres Britto atenua as tensões


com sua religião própria. "A maior de todas as religiões é o amor.


Viver em estado amoroso é a suprema religião", afirma. "Tenho certeza


de que Deus deve estar batendo palma para mim".


Aos 65 anos, autor de 11 livros (seis de poesia), Carlos Augusto Ayres


de Freitas Britto é o ministro do STF que exerce no momento a


presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com o


diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo,


Ayres Britto é o responsável por mudanças que aumentaram a


transparência das eleições. Um exemplo é a norma sobre as declarações


de bens. Até este ano, candidatos de vários Estados enviavam listas


com seu patrimônio incompletas, sem os valores dos bens, e não eram


punidos por isso. Era uma espécie de regalia concedida por alguns


Tribunais Regionais Eleitorais, como o do Piauí e o da Paraíba. Antes


das eleições, Ayres Britto estabeleceu uma norma que unificou a


legislação. Todos os candidatos foram obrigados a declarar o valor de


cada imóvel, carro ou terreno comprado ao longo dos anos. "Parecer


simples, mas foi um grande avanço para as eleições. É uma


característica do ministro", diz Abramo. Na semana passada, ao fazer


um balanço das eleições municipais, Ayres Britto defendeu a liberação


do uso da internet nas próximas campanhas, até mesmo para doações. Na


última eleição, os candidatos foram proibidos de usar a rede.


Ayres Britto teve sua experiência pessoal com as urnas na década de


1980. Ele foi candidato a deputado federal em Sergipe pelo PT, legenda


que ajudou a fundar. Teve 23 mil votos, uma expressiva votação, mas o


partido não conseguiu o número de votos suficiente para colocá-lo na


Câmara dos Deputados. Ayres Britto era um dos militantes sergipanos


próximos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando Lula ainda


corria o país como candidato, gostava de ser recebido por ele no


aeroporto de Aracaju. Dizem os amigos que o carro de Ayres Britto era


o único do partido com ar-condicionado em todo o Estado. Como


presidente da República, Lula indicou Ayres Britto para ministro do


Supremo em 2003, numa lista de três nomes para ocupar a vaga deixada


por Ilmar Galvão, que se aposentara. "O Lula nem deve lembrar quando


eu o buscava no aeroporto", diz o ministro. Ayres Britto fica


visivelmente desconfiado e desconcertado quando um jornalista toca no


assunto. "Ele tem receio de que usem sua militância política para


tirar sua autoridade em algumas decisões a favor ou contra o partido e


o governo. É um ponto fraco em sua trajetória, usado por maldosos",


afirma um político conterrâneo.


Assim que o assunto acaba, Ayres Britto volta a ter o semblante


tranqüilo, uma de suas características mais marcantes, cultivada com


sessões diárias de meditação. Casado com Rita há 27 anos e pai de


cinco filhos, o ministro acorda cedo e medita entre 5 horas e 5h30. Na


posição de lótus, como um faquir, em estado de "não-mente", como gosta


de explicar, desliga-se do mundo em um silêncio profundo. "Os minutos


valem o mesmo que algumas horas de sono", diz. Depois, três vezes por


semana, ele caminha cerca de dois quilômetros para ajudar a manter o


peso de 61 quilos em 1,64 metro de altura. Não que seja difícil para


quem só come folhas.


Filho do juiz de Direito João Fernandes com a professora de francês


Dalva, o presidente do TSE é o quinto de 11 filhos de uma família de


classe média alta. A morte de um dos irmãos, o terceiro dos 11, no fim


da década de 60, consumido por um câncer mal diagnosticado no


estômago, foi um golpe que marcou sua vida. Durante o ano de 1968,


enquanto o mundo transbordava com novos conceitos de liberdade, Ayres


Britto estava preso à dor do irmão mais velho. O médico acreditava que


ele tinha pólipos no estômago, sem saber do câncer que o consumia.


"Ele era uma espécie de líder da família", diz Ayres Britto. "Dores


todos nós temos. Agora, saber virar a página é o grande segredo".


A boa medicina, de lá para cá, virou uma obsessão. Não por acaso, foi


com votos ligados ao assunto que Ayres Britto brilhou no Supremo.


Votou a favor do direito da mulher de abortar fetos anencéfalo. "A


mulher carrega algo no ventre que jamais será alguém", disse. Em


agosto, ele viveu o momento mais importante de sua vida jurídica.


Relator do julgamento sobre a liberação do uso de células-tronco


embrionárias, ele preparou seu voto um ano antes, nas férias de julho


de 2007, no apartamento no 15º andar que mantém em Aracaju, de frente


para o mar. Lá, concentrado e ao som das ondas, preparou um relatório


denso e musicalmente eclético (citava Chico Buarque, Ana Carolina e


Tom Zé) de defesa ao uso das células. "Foi um voto humanista, de forte


sensibilidade com o outro", afirma o jurista Luís Roberto Barroso.


"Foi o melhor momento dele no Supremo", diz a ministra Carmen Lúcia,


outra amiga dentro do STF.




Fonte: Época em 03-11-2008. - GERAL


Quem é o ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto, o


vegetariano adepto da meditação que inovou na condução das eleições


municipais
Matheus Leitão


POSIÇÃO DE MINISTRO


Ayres Britto em seu gabinete. Votos sintonizados com a sociedade, como


no caso das células-tronco. Estalo e insight são termos pouco usados


para definir uma intensa experiência espiritual. Pois é com essas


palavras que o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal


Federal (STF), descreve como virou vegetariano, da noite para o dia,


aos 15 anos de idade. A "energia do cosmos, força maior que nos


circula", ensinou numa manhã de 1958 para o adolescente em Propriá,


interior de Sergipe: não é necessário abater um animal, sacrificá-lo,


para que seu alimento seja feito todos os dias. A força maior o mudou


de tal forma que trocar picanha – que ele amava – por alface não


causou indigestão. "Mudar um hábito sem mudar uma pessoa é algo


penoso, um sacrifício", diz Ayres Britto. "Mas para a pessoa


transformada é fácil: tudo se encaixa".


O senhor sente falta de carne? "Não. Quando você experimenta a


democracia, faz uma viagem sem volta, não é?", diz Ayres Britto.


"Quando você experimenta o vegetarianismo é a mesma coisa". Carlinhos,


como é chamado por alguns colegas de toga, está longe de ser um


ministro com respostas treinadas no ambiente carnívoro da Praça dos


Três Poderes, em Brasília. Capaz de juntar as palavras democracia e


vegetarianismo num raciocínio, dificilmente não é chamado de


excêntrico ou engraçado. Às vezes, até de doido. "Ele é o ministro


mais progressista da história do STF. Culto, alegre e totalmente da


paz", afirma o colega Joaquim Barbosa, seu companheiro freqüentador do


Clube do Choro, ponto musical de Brasília.


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