A expressão “reforma política” vem aparecendo com crescente freqüência em conversas e na imprensa. Tendo batalhado durante muito tempo por uma reforma séria, eu me confesso escaldado nesse assunto.
Estou sempre farejando alguma falcatrua. Nos fragmentos que andam por aí, venho percebendo duas idéias básicas, e ambas reforçam os meus piores pressentimentos.
Uma, que eu já comentei, implicaria (ou refletiria) um grave retrocesso autoritário.
Fazendo ampla maioria nas duas casas do Congresso Nacional, e não contente com o rolo compressor que montou para vencer a eleição presidencial, o esquema de poder atualmente dominante mexeria na Constituição a fim de “legalizar” uma monstruosidade qualquer : um “chavismo branco” ou uma “mexicanização” adoçada com os venenos que estiverem ao alcance da mão.
A outra hipótese não soa tão rombuda, mas pode ser um malefício quase do mesmo tamanho. É a velha história de reacomodar os partidos em função dos resultados eleitorais, da nova conjuntura etc.
Com o cacife monstro que Lula e Dilma terão, a se confirmar a vitória da ex-ministra, não é difícil imaginar o resultado de tal reforma. Cooptação em massa e virtual aniquilamento da atual oposição, com a diferença que seria aniquilamento sem uma manchinha sequer de sangue.
Lembraria dois momentos marcantes do regime militar. Primeiro, a reforma de 1965, que colocou quase todo mundo no partido governista e empurrou meia dúzia para o partido de oposição . Arena e MDB, estão lembrados ?
Segundo, a reforma partidária de 1979. A esta altura, a oposição estava fortalecida. O MDB dava surras na Arena . Ia ficando claro que, mais cedo ou mais tarde, iria derrotá-la no próprio Colégio Eleitoral .
Atingido esse ponto, de duas, uma : ou os militares rasgavam o que restava de Constituição e impunham uma ditadura escancarada, ou aceitavam a derrota dentro das regras que eles mesmos estabeleceram.
Ocorreu, como se sabe, a segunda alternativa, em janeiro de 1985, consumando-se dessa forma a redemocratização. A reforma de 1979 extinguiu os dois partidos criados em 1965 e permitiu a formação de novos. O objetivo, obviamente, era dividir a frente de oposições agrupada pelo MDB. Foi aí que surgiu o PT, o PTB ressurgiu e Brizola criou o PDT .
Uma curiosidade foi a lei exigir que todo partido tivesse “P” na sigla. A Arena passou a se chamar PDS e o MDB rebatizou-se como PMDB. Algo nessa linha é a segunda hipótese de reforma política a que fiz referência.
Para deslanchar um processo semelhante, argumentar-se-á que as forças políticas terão de ser reorganizadas após o tsunami eleitoral de 2010.
Mas uma reforma que pretenda apenas formalizar e petrificar o presente estado de fragilidade da oposição, especificamente do PSDB, não alterará o fato estrutural que deu origem a este partido : a existência de uma população urbana, sobretudo de uma classe média urbana, que demanda o fim das práticas patrimonialistas do Estado brasileiro, a implementação de políticas sociais enérgicas etc, mas dentro da democracia e de uma economia de mercado.
Sem ceder um milímetro aos populismos de esquerda ou de direita que voltaram a grassar na América Latina. É por isso que tenho dito que o PSDB é a única oposição política e eleitoralmente viável no quadro que ora se delineia para os próximos anos.
Se ele for extinto por uma pseudo-reforma qualquer, ou se seus líderes atuais não tiverem a visão e a capacidade de entendimento necessárias para mantê-lo, algum grupo haverá de oportunamente fundar outro partido que cumpra as mesmas funções.
Manter uma sigla é importante, mas muito mais importante é entender que ela no fundo é uma senha para a reunião dos valores e interesses de estratos sociais relevantes dentro dessa nova sociedade urbana que está tomando forma no Brasil.
Por Bolívar Lamounier
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